Em junho de 2019, a União Europeia e o MERCOSUL firmaram um acordo de livre comércio em Bruxelas, após 20 anos de negociações marcadas por idas e vindas dos dois lados. A celebração do acordo surpreendeu, pois se deu em um momento em que outros temas ocupavam a agenda internacional, principalmente da Europa. Já naquele momento, o continente europeu lidava com uma série de problemas que iam do crescimento vertiginoso do nacionalismo eurocético, passando pelo Brexit e culminando com as ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de romper fortemente a aliança atlântica, questionando os europeus pela conta paga pelos norte-americanos por sua segurança, por exemplo. Além disso, logo que chegou à Casa Branca, Trump tratou de abandonar as negociações para o chamado Acordo Transatlântico, que viabilizaria o livre comércio entre a UE e os Estados Unidos.
Embora não haja reconhecimento público a respeito, essa decisão tomada em Washington impactou o bloco europeu e contribuiu para que as conversas com o MERCOSUL saíssem da estagnação e fossem concluídas. O que a União Europeia está dizendo sobre o acordo com o MERCOSUL? Está dizendo que as negociações se encontram stand by e que o futuro do acordo depende, agora, da política ambiental brasileira. O que a União Europeia não está dizendo sobre o acordo com o MERCOSUL?
Não está dizendo que não há negociações em curso. As negociações foram concluídas no ano passado. O que até pode estar parado, neste momento, é a revisão jurídica do acordo, uma etapa normal em qualquer processo dessa envergadura.
Não podemos esquecer que este acordo envolve 31 países – 4 do MERCOSUL e 27 da União Europeia – e terá de ser ratificado por todos os parlamentos nacionais, mais o Parlamento Europeu. É um processo altamente complexo, sem dúvidas, pois envolve interesses de diversos setores das economias dos países membros. Também não faz sentido travar um acordo supondo que um dos países parte não cumprirá com os termos negociados. O Brasil não deixou de cumprir nenhuma cláusula do acordo porque ele sequer entrou em vigor. A União Europeia tampouco está dizendo que a revisão jurídica do ato internacional não o reabre para negociações.
Trata-se, como observado, de uma revisão de termos legais que não transmuda a substância do tratado. Além disso, o Comissário de Comércio da UE, Valdis Dombrovskis, disse, recentemente, que o bloco trabalha pela aprovação e ratificação do acordo. Posição também adotada pela BusinessEurope, que representa 40 confederações empresariais europeias. Em novembro, a BusinessEurope firmou declaração conjunta com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a União Industrial Argentina (UIA), a União Industrial Paraguaia (UIP), e a Câmara de Indústrias do Uruguai (CIU), respaldando o acordo e cobrando a sua imediata ratificação.
No documento, as cinco entidades reconheceram que o tratado oferecerá oportunidades para os dois blocos não apenas por razões estratégicas e econômicas, mas também em relação ao desenvolvimento sustentável. A União Europeia também não está dizendo que, além do renovado interesse em retomar as negociações com os Estados Unidos, o protecionismo europeu é o maior entrave para ultimar o acordo entre os blocos. No dia 9 de dezembro, o deputado francês Nicolas Dupont-Aignan, presidente do Partido Debout la France (DLF), desde 2008, esteve no Brasil e tratou desse e de outros assuntos com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, deputado Eduardo Bolsonaro. Nos encontros, Dupont reafirmou que é contra o acordo por entender que se trata de um instrumento ruim para os produtores agrícolas europeus. Na verdade, ele afirmou que o acordo representa um tiro de misericórdia para o setor agrícola francês.
O deputado, de direita, será candidato à presidência da França em 2022, pela segunda vez. Diante desse quadro, seria melhor e mais honesto se a União Europeia viesse à público dizer a verdade a respeito do desejo de voltar atrás no acordo firmado com o MERCOSUL, em vez de usar a política ambiental brasileira como desculpa. Isso sem falar que pairam dúvidas a respeito do que realmente há por trás da arrebatada paixão europeia pela Amazônia.
Marcelo Rech é diretor do Instituto InfoRel de Relações Internacionais e Defesa.
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