A Política Externa e o estresse presidencial

por | dez 29, 2020 | 19h

No dia 11 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro tornou público o seu
estresse ao sugerir uma guerra com os Estados Unidos, chamar os brasileiros
de “maricas” e afirmar que sua vida pessoal é uma desgraça. O ato público que
concentrou toda essa raiva, pretendia servir de retomada do turismo após os
meses de distanciamento social, mas ninguém se deu conta disso. Nem
mesmo o próprio presidente.


Bolsonaro, no entanto, percebeu o tamanho da mancada enquanto falava, mas
aí já era tarde. Suas palavras correram o mundo como fogo em um rastilho de
pólvora. O presidente desagradou todo mundo, embora ainda conte com a
contemporização de muitos. Os militares, por exemplo, preferiram não dar
corda.


O que se percebe, na verdade, é um presidente cansado e com enormes
dificuldades em lidar com as pressões naturais que a liturgia do cargo impõe. É
preciso ter foco e planejamento, além de muita paciência e resiliência. Ser
vidraça, é do jogo.


Os estragos poderiam ser maiores e, no futuro, é possível que sejam. O
presidente ainda não entendeu que, até mesmo o seu silêncio impacta
absolutamente tudo. Quanto mais as suas palavras. Nada passa
desapercebido. Especialmente em um ambiente tensionado onde cada gesto é
analisado com lupa, aqui e no exterior.


O fato de Bolsonaro não ter saudado o provável presidente norte-americano
quando quase todo mundo já o fez, pode ser um problema, mas é defensável,
afinal de contas, o resultado das eleições tampouco fora anunciado
oficialmente. No entanto, a forma como reage o presidente gera preocupações.


É óbivo que em Washington, ninguém perdeu um único segundo de sono por
conta das palavras do presidente brasileiro. Ainda assim, o Chefe de Estado
deve respeitar determinados protocolos, mesmo quando outros não o fazem,
não importa. Jair Bolsonaro poderia, sim, criticar o então candidato democrata
que pôs preço na preservação da Amazônia. A defesa da soberania é
prerrogativa do presidente da República e a sociedade deveria acompanhá-lo.


Mas, não se pode reagir com base em ruídos e especulações. Em um contexto
eleitoral, Joe Biden falou o que deveria falar, para o seu público. Passadas as
eleições, o papo será outro. Os Estados Unidos não admitem perder o Brasil
como aliado em uma região marcadas por problemas políticos e extremismos.


Temos 17 mil km de fronteiras com dez países, nove tríplices fronteiras onde
permeiam problemas comuns como o narcotráfico e o crime organizado.
Chance zero para o isolamento do Brasil.


Agora, a forma, seguramente muda. Joe Biden lidará com os desafios
internacionais, com diplomacia e diálogo, diferente de Donald Trump, que
privilegiou a truculência e a grosseria. Seguramente, haverá muito mais
esforços por parte dos Estados Unidos no sentido de fortalecer o sistema
multilateral, o que é positivo, principalmente para os países pequenos e
aqueles em desenvolvimento, como o Brasil.
E ninguém poderá reclamar das preferências de Bolsonaro por Trump. Gosto e


simpatias, não se discutem. Por outro lado, suas preferências não podem
contaminar uma relação histórica e necessária. Nos dois sentidos, diga-se.
Ignorar o óbvio apenas por inclinação ideológica é um grande erro.


Nutrir simpatia e amizade por alguém, é absolutamente legítimo. Só não vale
misturar as coisas. Brasil e Estados Unidos são maiores que seus presidentes,
atuais, passados e futuros. Além disso, é preciso medir as palavras para evitar
ridicularizar, por exemplo, as Forças Armadas e outras instituições que sim,
são fundamentais para a democracia.