A postura ambígua do Japão na Guerra contra a Ucrânia

por | abr 18, 2022 | 12h

Único país a sofrer com dois bombardeios nucleares, o Japão faz vista grossa justamente quando a Ucrânia ameaça abandonar o seu status de país não nuclear. A gravidade de uma contaminação por meio de bombas sujas, não é justificada, mesmo sendo a Ucrânia, o país agredido.

O governo japonês foi um dos primeiros em manifestar apoio a Kiev por conta da invasão russa. Também foi ágil ao impor sanções econômicas contra Moscou, ainda em fevereiro, após o reconhecimento de Vladimir Putin, da independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. E o primeiro-ministro Fumio Kishida, anunciou, em reunião do Conselho Nacional de Segurança japonês, que o país atuaria em coordenação com os EUA nas ações contra a Rússia. As sanções impostas por Tóquio, também seguem a linha adotada pela União Europeia.

Em março, Kishida, falando ao Comitê de Orçamento da Câmara dos Conselheiros da Dieta japonesa, anunciou, ainda, que o governo iria aproveitar o conflito no Leste europeu, para retomar a disputa com a Rússia pelos chamados “Territórios do Norte, uma parte das ilhas Curilas, há 70 anos sob a soberania russa. Os dois países nunca firmaram um acordo sobre as ilhas, mas também nunca suspenderam as negociações.

Para quem ainda não sabe, as Ilhas Curilas são um arquipélago vulcânico composto por 56 ilhotes que se estende desde a Península de Kamchatka, no extremo oriental da Rússia, até a ilha japonesa de Hokkaido, que fica entre o Mar de Okhotsk, a noroeste, e o Oceano Pacífico, a sudeste. Trata-se de uma região extremamente rica em termos econômicos e estratégicos, devido, também, a riquezas minerais e pesca em abundância.

Por conta da postura japonesa contra a Rússia, o Kremlin anunciou que não irá mais dialogar sobre o litígio. Apesar de não ter mencionado nada a respeito da exportação de gás para o Japão, a Rússia também avalia retaliar o país suspendendo o fornecimento do produto. O Japão é o principal importador de GNL russo na Ásia.

Em 2016, Vladimir Putin esteve em Tóquio onde participou do Foro Russo-Japonês que terminou com a assinatura de 68 acordos e contratos comerciais nos âmbitos da energia, construção de máquinas, indústria química, alta tecnologia, geologia e agricultura. Na oportunidade, o líder russo afirmou: “o que o Japão necessita da Rússia não são as Kurilas”.   

Esta é uma parte da história que retrata bem a ambiguidade japonesa em relação a guerra na Ucrânia. A outra, diz respeito a questão nuclear. O Japão foi vítima do único ataque com bombas nucleares por outro Estado, neste caso, os EUA, já no final da Segunda Guerra Mundial. Também em 2016, quando o então presidente norte-americano Barack Obama visitou aquele país e pediu desculpas pelos ataques à Hiroshima e Nagasaki, os japoneses foram enfáticos ao exigirem, no lugar das desculpas, a desnuclearização.

No entanto, o mesmo Japão calou quando o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, anunciou que o país poderia renunciar ao status de nação não nuclear e ignorar o Memorando de Budapeste, assinado em 1994. A decisão, se confirmada, poderia permitir a Kiev produzir as chamadas bombas sujas, que provocam a contaminação nuclear, mas não causam explosão. Diferentes analistas confirmam que a Ucrânia possui urânio e combustível nuclear irradiado de suas usinas atômicas.

Portanto, caberia a Tóquio, exigir da Ucrânia, o pleno cumprimento das regras em vigor, inclusive como medida para distensionar o ambiente e permitir que as negociações de paz evoluam. Se considerarmos a gravidade que foi o acidente na usina nuclear de Fukushima, fica ainda mais difícil entender a lógica deste silêncio por parte do Japão, afinal, poucos entendem as consequências da propagação descontrolada da radiação como os japoneses.  

Além disso, não se pode esquecer que, no passado, o Japão cometeu diversos crimes de guerra, crimes contra a humanidade, principalmente contra China e Coreia do Sul, que deveriam servir de balizadores para um posicionamento em prol das convergências e não do esgarçamento das relações. A defesa da soberania da Ucrânia não pode, por outro lado, encetar apoio, ainda que mascarado, a ilegalidades e atrocidades que possam ser praticadas pelo Estado agredido. Um erro nunca justificará outro.

Por Marcelo Rech

InfoRel

Imagem: CNNBrasil