A Conferência de Defesa das Américas e o cenário político hemisférico

por | jul 22, 2022 | 20h

Depois do novo Conceito Estratégico adotado pela OTAN, os EUA se voltam para o seu quintal em mais uma tentativa de resgatar a influência que um dia chegaram a ter. No entanto, lhe faltam credibilidade e legitimidade para liderar uma região marcada pela criminalidade organizada

Entre 25 e 29 de julho, Brasília será a capital hemisférica de Defesa e Segurança, ao sediar a XV Conferência de Ministros da Defesa das Américas. Para o evento, não foram chamadas as autoridades militares de países como Cuba, Nicarágua e Venezuela, os mesmos que também ficaram de fora da Cúpula das Américas, realizada em junho, em Los Angeles, EUA.

Realizada a cada dois anos, a Conferência é uma iniciativa lançada pelo então presidente norte-americano Bill Clinton, em 1995. Trata-se de uma instância de consultas e intercâmbio de informações. Não é, nem de longe, a reunião dos exércitos do hemisfério e sua prioridade sempre foram os temas de caráter humanitário como o socorro aos países afetados por catástrofes.

No entanto, com o fortalecimento do crime organizado transnacional na região, mais os resultados da última cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), de junho, e uma guerra na Europa, que já completou cinco meses, os debates não serão superficiais, uma vez que os desafios são muitos e extremamente complexos.

Há, ainda, o desejo dos EUA de resgatar a sua influência no hemisfério. A guinada à esquerda que deram países como Chile e Colômbia, afetarão diretamente os interesses de Washington na região. Agências como a DEA que já lidam com muitos problemas e obstáculos, terão ainda mais dificuldades para atuar. As máfias por trás da migração ilegal e o fortalecimento do narcotráfico, são dois exemplos de problemas cuja solução não é simples.

O Comando Sul do Exército dos EUA, também se depara com uma animosidade que poderá comprometer os seus esforços de atuação no “pátio traseiro” norte-americano. De acordo com os “Princípios de Williamsburg”, de 1995, a Conferência, pretendia transformar-se no principal foro regional para o debate e o intercâmbio de ideias entre as Forças Armadas das Américas. Isso nunca aconteceu.

Em 2009, nasceu o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), um dos órgãos vinculado à praticamente extinta União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). O CDS foi um dos principais mecanismos da UNASUL e aquele que, talvez, tenha apresentado os melhores resultados. Um dos grandes logros do Conselho foi a adoção de medidas de confiança e transparência entre as Forças Armadas da região.

Alcançou-se, também, uma importante medida de transparência dos gastos militares, que sepultou de vez, quaisquer tentativas de se arrancar com uma corrida armamentista na América do Sul. O diálogo entre as Forças Armadas da região foi intensificado e houve avanços, também nos assuntos da indústria de Defesa. Mas, os EUA estavam de fora e isso é uma heresia para Washington.

Após uma década inteira de governos de esquerda em praticamente toda a região, a direita retomou espaço e a UNASUL, contaminada que estava, pelo vírus ideológico, foi ferida de morte. Seis países denunciaram o Tratado Constitutivo e deixaram o organismo. O desaparecimento do Conselho de Defesa, veio em seguida, para a alegria do Pentágono.

Portanto, a Conferência lançada pelos EUA, vê a reunião de Brasília, como a grande oportunidade de relançar as relações militares com a vizinhança. Interessa para os militares norte-americanos, frear os ímpetos de Rússia, China e Irã, que têm ampliado cada vez mais a cooperação militar com a região. Além disso, é prioritário resgatar o combate aos crimes transnacionais com cooperação e comprometimento da região.

Como assinalado, os EUA querem fazer dessa conferência, o grande evento de retomada da sua influência regional. Vale lembrar, no entanto, que os mesmos EUA também queriam isso no âmbito da OTAN e o que tivemos foi uma cúpula marcada pela hipocrisia em relação à Rússia e nenhum resultado prático. O novo conceito estratégico da aliança, chega tarde demais.

Embora toda cooperação seja bem vinda, talvez, fosse melhor os militares do hemisfério, repensarem um novo Conselho de Defesa, focado nos problemas e desafios comuns, pois não é novidade que, aos EUA, faltam credibilidade e legitimidade. E à região, uma agenda extensa de dores de cabeça.

Por Marcelo Rech

InfoRel

Imagem: Carlos Latuff