Os EUA e a política da boa vizinhança em jogo

por | jul 25, 2022 | 19h

Um país com uma longuíssima ficha de intervenções, ingerência e promoção de golpes de Estado, não pode ser a régua a medir o estado da democracia em país algum. Se os EUA confiam ou deixam de confiar no processo eleitoral brasileiro, isso é problema deles, não nosso

Teve forte repercussão nos meios de comunicação, a nota emitida pelo Departamento de Defesa dos EUA, no dia 22, acerca da democracia no Brasil e os comentários do seu Secretário de Defesa, Lloyd Austin, sobre a confiança das autoridades norte-americanas no sistema eleitoral brasileiro. Ele embarcou nesta segunda, 25, para participar da 15ª Conferência de Ministros de Defesa das Américas, a ser realizada em Brasília, até o próximo dia 28.

De acordo com a nota, além de participar da agenda do evento, Austin “apoiará a afirmação do papel dos militares em uma sociedade democrática, incluindo o respeito às autoridades civis, processos democráticos e direitos humanos”. Trata-se de um recado ao presidente Bolsonaro por suas críticas às urnas eletrônicas.

Bem antes, no dia 19, a Embaixada dos EUA, afirmou, também por meio de nota, que as eleições brasileiras são exemplo a ser seguido por outros países. “As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, diz o texto.

Não cabe a um país estrangeiro, imiscuir-se em assuntos internos de outros, muito menos quando provocado. Se os EUA confiam ou deixam de confiar no sistema eleitoral brasileiro, isso é problema deles. Os problemas do Brasil devem ser discutidos e resolvidos pelos brasileiros, suas instituições e seus representantes. Um país com uma longuíssima ficha de intervenções, ingerência e promoção de golpes de Estado, não pode ser a régua a medir o estado da democracia em país algum.

Antes de embarcar para o Brasil, Lloyd Austin fez uma escala na Flórida, onde se reuniu com os militares responsáveis pelas relações e operações nas Américas, em especial a general do Exército, Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA.

No dia 21, Richardson afirmou no Fórum de Segurança de Aspen, no Colorado, que “os americanos geralmente se envolvem em preocupações Leste-Oeste, mas o Comando Sul dos EUA é nosso bairro”. Falando a representantes dos 31 países que compõem o seu comando, ela descreveu uma região que muitas vezes é negligenciada – uma condição que ela chamou de “cegueira do sul”.

Segundo Richardson, estar em um bairro significa “você ter amigos e vizinhos muito próximos, você ter vizinhos em quem você confia, em quem você confia para a segurança, para a segurança do bairro, certo? Vocês estão juntos nisso”.

Nesta direção, assegurou que tem trabalhado para “aumentar esse sentimento de vizinhança entre os EUA e as nações latino-americanas e caribenhas da Southcom”. Ela garantiu, ainda, que os EUA querem deixar de ser o “irmão mais velho”, para construir parcerias, “porque é assim que os bairros funcionam. Você espera um entendimento. Você espera trabalhar com eles para entender seus desafios”, explicou.

“Temos respeito por eles e precisamos mostrar isso. Nossos concorrentes estão pegando o telefone. [O presidente chinês] Xi Jinping está pegando o telefone e ligando para esses líderes e se encontrando com eles e se correspondendo com eles o tempo todo, e precisamos fazer o mesmo. E acho que podemos fazer melhor nesse aspecto”, afirmou.

Se foi isso o que Austin ouviu da principal autoridade militar dos EUA para a região, certamente ele priorizará os temas de segurança e defesa. Aquele que ficou famoso por ser o “quintal dos EUA”, está atendendo o líder chinês, porque é ele quem está mostrando interesse em apoiar uma série de projetos de infraestrutura.

Xi Jinping não está preocupado com as eleições no Brasil. A China é pragmática. As suas relações não são definidas por questões ideológicas. Já os EUA sob Biden, se mostram tão ineficazes quanto hipócritas. A Venezuela é um exemplo. De repente uma guerra na Europa muda tudo e a ditadura chavista deixa de ser repugnante para ser simpática aos olhos de Washington. Pelo jeito, a chefe do Comando Sul percebeu o que a Casa Branca ainda não viu, que a região quer dos EUA, cooperação e parceria, não ordens. A região tem necessidades que não são necessariamente aquelas que os departamentos de Defesa e de Estado enxergam. Uma política de boa vizinhança passa pelo respeito, acima de tudo.

Por Marcelo Rech

InfoRel

Imagem: gtreview.com