Defesa: um setor que cobra reformas

por | nov 30, 2022 | 14h

Estudo do IPEA reforça o papel da Defesa como Política de Estado e destaca a importância de se aprimorar o desempenho das Forças Armadas a partir de um sistema de governança compatível com a Democracia, os Estado de Direito e os Direitos Humanos

No dia 18 de novembro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou um documento de cinco páginas apenas, apresentando 14 sugestões de reformas para o setor Defesa. Trata-se de um documento absolutamente claro e objetivo, que poderia ser muito bem aproveitado pelo Gabinete de Transição.

As recomendações são extremamente pertinentes e até mesmo as Forças Armadas poderiam refletir acerca das propostas. Com a autoria do especialista Rodrigo Fracalossi de Moraes, a Nota 01 – Defesa: recomendações de reformas para o setor, também deixa claro que a Defesa é constituída por instituições de Estado e não de governo.

Essa premissa é fundamental para que se avance nas discussões, principalmente após uma gestão em que a presença de militares foi, de certa forma, fulanizada. Mais de 8 mil militares em cargos de assessores especiais, sem uma função específica.

É passada a hora de se fortalecer o Ministério da Defesa e as Forças Armadas, e focar no realmente importa. Por exemplo, Rodrigo Fracalossi de Moraes, destaca a importância de o Brasil retomar a sua participação em Operações de Paz sob mandato das Nações Unidas.

O país possui uma tradição que é reconhecida internacionalmente e que foi, pouco-a-pouco, abandonada. O modelo de participação dos militares brasileiros em operações de paz, fez com que a ONU modificasse todos os seus manuais, para tornar essas operações mais efetivas e humanas.

Após deixar o Haiti, onde comandou uma missão por quase 14 anos, o Brasil foi chamado para assumir o mando de algumas operações bem mais complexas, como na República Centro-Africana, mas declinou sem muitas explicações. Em um mundo cada vez mais conflituoso, o Brasil tem capacidade para influenciar objetivamente e isso passa pelas operações de paz.

Tão pertinente quanto a retomada das operações de paz, é a recriação, sob a liderança do Brasil, de um espeço de cooperação em Defesa e Segurança na América do Sul, o nosso entorno geográfico imediato. Com o abandono e quase extinção da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), a região perdeu o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).

O CDS foi, sem dúvida, o principal mecanismo regional de concertação em Defesa e Segurança, avançando na geração de confiança entre os exércitos e até mesmo, na prestação de contas dos gastos, o que permitiu neutralizar as antigas narrativas acerca de corridas armamentistas na América do Sul. O CDS foi, também, um importante mecanismo de promoção da Diplomacia de Defesa.

O estudo defende, ainda, a revisão das diretrizes que dizem respeito à atuação das Forças Armadas, o seu papel no controle de armas e uma maior presença de quadros civis para o Ministério da Defesa, algo que já esteve no radar, mas foi igualmente abandonado por falta de vontade política.

Eu agregaria, também, a mudança na forma como o Ministério da Defesa e as Forças Armadas, se relacionam com o Congresso Nacional. Câmara e Senado têm, respectivamente, as suas comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, com as quais o diálogo é fortemente limitado, restringindo-se, basicamente, a questões orçamentárias.

E fevereiro, o Congresso Nacional iniciará um ciclo renovado e os ares da mudança, poderão ser melhor aproveitados pelas autoridades civis e militares. Uma maior aproximação com o Parlamento, permitirá, principalmente aos militares, desconstruir a imagem negativa que ainda paira sobre os nossos exércitos.

Segue a íntegra dos pontos apresentados no estudo do IPEA:

Defesa e Relações Exteriores

1. Retomar, de forma substancial, a participação do país em operações de paz das Nações Unidas, atuando, para tanto, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores (MRE).

2. Recriar, em conjunto com o MRE, um espaço de cooperação em defesa e segurança na América do Sul.

Estado e Forças Armadas

3. Elaborar um plano voltado a remover do campo de atuação das Forças Armadas funções e atribuições não relacionadas à defesa (ou que possuam uma relação apenas tangencial com a defesa).

4. Rever o escopo de atuação do Exército na área de controle de armas de fogo, tornando a regulação, o registro, o controle e a análise de dados mais robustos e integrados. Adotar restrições adicionais sobre armas de fogo permitida para os CACs.

5. Ampliar a presença de civis em funções e cargos para os quais civis são melhor preparados, mas que atualmente são ocupados por militares das Forças Armadas – um processo denominado de “civilinização”.

6. Planejar a criação de uma força intermediária nacional permanente, responsável por operações de garantia da lei e da ordem (GLO) e pelo controle das fronteiras, nos moldes das forças nacionais de segurança existentes em outros países.

7. Criar o cargo de Assessor de Defesa e Segurança, com a função de aconselhar efetivamente o Presidente da República em assuntos relacionados à defesa nacional, relações civis-militares, soberania do país, e criminalidade transnacional.

Logística, gestão e pessoal militar

8. Robustecer o Ministério da Defesa, nele centralizando um número maior de funções a fim de ampliar a racionalidade, a capacidade operacional das Forças Armadas, e a eficiência no uso dos recursos públicos.

9. Elaborar um plano de reorganização de organizações militares do Exército Brasileiro em “bases”, a fim de ampliar a capacidade operacional das Forças Armadas e aumentar a eficiência no uso de recursos públicos.

10. Reduzir a endogeneidade da formação do pessoal militar em cursos de formação, aperfeiçoamento ou estado-maior, ampliando parcerias com instituições civis nacionais, bem como instituições civis e militares estrangeiras.

Governança e controle

11. Fortalecer a governança orçamentária e o acompanhamento das atividades do setor de defesa, por meio tanto de mecanismos de auditoria interna às Forças Armadas como de mecanismos externos.

12. Ampliar a transparência nas relações entre agentes públicos da área de defesa (civis e militares), empresas privadas (da área de defesa ou de outras áreas), e organizações sem fins lucrativos.

13. Rever o processo de formulação dos documentos de defesa de alto nível encaminhados ao Congresso Nacional (Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa, e Livro Branco de Defesa Nacional).

Sociedade e Forças Armadas

14. Implementar a proibição de atividades políticas dentro de organizações militares, uso de posições oficiais em posicionamentos políticos, e o exercício por militares da ativa de funções públicas não ligadas ao setor de defesa.

Por Marcelo Rech

InfoRel

Imagem: Força Aérea Brasileira