Paulo Neves
Para o Brasil e para Portugal o continente africano deve ser uma prioridade. África é o terceiro maior continente do Mundo (depois da Ásia e da América), conta com 1200 milhões de pessoas (maioria jovens), tem 30 milhões de km2 (3,5 vezes o Brasil) e 54 países que somados valem 4% do PIB mundial (a África do Sul, o Egito e Nigéria representam 50% do PIB africano). Portugal e o Brasil têm uma História comum com este continente.
Cinco países em África fizeram parte de Portugal (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe) e a língua portuguesa é língua oficial de 67 milhões de pessoas em África (262 milhões no mundo). Aliás o português é a principal língua do hemisfério sul devido precisamente a Angola, Moçambique e naturalmente ao Brasil. Também o número de afrodescendentes é muito elevado no Brasil e a cultura africana é mais do que evidente no Brasil. Também em Portugal temos uma importante comunidade africana ou descendentes de africanos ou portugueses nascidos em África.
Do ponto de vista económico penso que há muito a fazer. Tanto na relação de Portugal com África como também na relação do Brasil com África e ainda numa relação triangular Brasil-Portugal-África. Na verdade a relação de Portugal com o continente africano, em matéria comercial, é principalmente com os países de língua portuguesa e com os países produtores de petróleo e de gás. Mesmo assim o continente africano representa perto de 20% das importações portuguesas de fora da União Europeia e 20% das exportações portuguesas para fora da União Europeia.
Com o Brasil as relações comerciais com o continente africano, entre importações e exportações, já chegaram a perto de 30 bilhões de dólares. Infelizmente têm sofrido quedas significativas nos últimos anos. O Brasil pode dar uma enorme ajuda a muitos países africanos investindo e cooperando, por exemplo, na área do agronegócio onde o Brasil é dos melhores do mundo. O continente africano tem muita terra arável (60%) que infelizmente produz muito pouco devido principalmente à falta de investimento tecnológico e de saber. Mas África tem uma enorme necessidade de alimentos pois importa todos os anos 45 mil milhões de euros em produtos agrícolas. A União Africana atribui, aliás, uma enorme atenção a esta matéria e procura cooperar com outros países e continentes nesta área.
A implantação da Zona de Comércio Livre Continental Africana pode ajudar a desenvolver cadeias de valor regionais e acelerar a transformação produtiva do continente que, em parceria com empresas brasileiras e portuguesas, podem sofrer dinâmicas positivas em matéria de exportações e importações. Estamos a falar num processo de integração regional que os nossos dois países devem estar atentos e a acompanhar.
No IPDAL, o Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas com sede em Lisboa, falamos muito de uma Agenda de Interesses Comuns entre a América Latina-Europa-África tendo, naturalmente Portugal como hub europeu dessa triangulação e o Brasil o hub latino americano. É uma relação triangular que faz todo o sentido. Na América Latina o Brasil é o país que tem, por razões naturais e óbvias, a melhor e mais próxima relação com o continente africano. O mesmo se passa com Portugal na Europa. Somos um país que tem uma relação privilegiada com o continente africano e também, obviamente, com a América Latina. É por isso que insistimos na identificação e na prática de uma agenda de interesses comuns entre os três continentes em especial nas áreas diplomática e económica. Pela experiencia e investigação já feita posso garantir que há muitas áreas de interesses e desafios comuns.
Na área diplomática o Brasil fez um enorme esforço nos últimos anos na sua relação com África. Foi evidente o esforço feito na abertura de Embaixadas em países africanos o que é um sinal político muito positivo. Com 35 embaixadas o Brasil é dos países do Mundo que mais Embaixadas tem no continente africano. Portugal tem 18 embaixadas em África.
Nos últimos anos temos assistido a uma corrida ao continente africano por parte de grandes economias mundiais mas também de médias economias. Os exemplos mais flagrantes são a China, o Japão, a Rússia (um regresso), a Turquia, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos. Além, obviamente, de países que mantêm uma relação privilegiada e de há muito tempo com África como são os casos da França, Reino Unido e Estados Unidos. Ou seja o continente africano passou a estar nos radares das principais chancelarias do Mundo.
O investimento externo em África foi, em 2022, de 83 mil milhões de dólares. O maior investidor é a China (20% do total) seguido pelos Estados Unidos (8%) e pela França (8%). As trocas comerciais da China com o continente africano chegam aos 254 mil milhões de dólares. Um valor importantíssimo para as economias africanas mas residual para a China já que representa, apenas, 4% do comércio total chinês. Tem no entanto um grande valor político e diplomático. E cada vez maior militar.
Vale a pena referenciar que Portugal e o Brasil são dois países membros da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) uma comunidade que ainda pode ganhar maior dinâmica e que na verdade une países africanos (seis) com o Brasil na América Latina, Portugal na Europa e Timor-Leste na Ásia. Aqui está um excelente exemplo de uma Organização que deve ser ainda mais potenciada por Lisboa e Brasília e inserida nesta prioridade africana.
O IPDAL organiza todos os anos, em Lisboa, um Fórum diplomático e empresarial que reúne todos os países Membros da CPLP (e países Observadores) com os países da América Latina e Caraíbas. Resumindo, o Brasil e Portugal podem ser, respetivamente, os pivots na América Latina e na Europa na relação triangular com África.
Paulo Neves, Presidente do IPDAL o Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas. Portugal.