O mito da infalibilidade e da onipresença das agências de inteligência internacionais 

por | nov 20, 2023 | 9h

André Luís Woloszyn

Muito do que conhecemos acerca da infalibilidade e onipresença das agências de inteligência internacionais estão baseados em êxitos de operações do passado e na propaganda cinematográfica. Como assevera Nassim Taleb, na obra “Lógica do Cisne Negro”, possuímos a tendência de eliminar da nossa avaliação os fracassos, o que segundo ele, é intrínseco do pensamento humano.

A CIA, por exemplo, tida como uma das mais eficientes agências do mundo, demonstrou ineficiência em muitos episódios hoje conhecidos da opinião pública internacional. Com destaque para a invasão da Baía dos Porcos em Cuba (1961); no Vietnam com atenção especial para a Ofensiva do Tet (1968); nos atentados do 11 de setembro (2001); na avaliação de cenário que resultou na rápida retirada das forças militares do Afeganistão (2021) e possivelmente no assessoramento ao envio de armas tecnológicas à Ucrânia (2022), que potencialmente poderão chegar às mãos de redes terroristas internacionais uma vez que não há controle, tampouco fiscalização.

Seu feito mais extraordinário foi a caçada e a localização o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, morto pelas Forças especiais dos EUA na cidade de Abbottabad, no Paquistão (2011). O livro, Legado de Cinzas: uma história da CIA de Tim Weiner, lançado em 2008, nos traz importantes insights acerca da trajetória da agência.

Os russos, aparentemente, subestimaram a capacidade de resistência e o forte apoio bélico que seria fornecido pelos EUA às forças armadas da Ucrânia, no envio de armas avançadas tecnologicamente, apoio logístico e fornecimento de inteligência de imagens e sinais. Ademais, perderam, parcialmente, a guerra psicológica da opinião pública ocidental que apoiava os ucranianos, criando estigmatização contra o povo russo.

O Mossad, teve seu apogeu nas décadas de 60 a 70 com a operação que resultou no sequestro do carrasco e fugitivo nazista Adolph Eichmann, na Argentina (1960); na infiltração do agente ELI Cohen no governo da Síria, (1960-1965), vital para assegurar a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e na caçada as lideranças terroristas do grupo terrorista Setembro Negro, responsáveis pelo massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique (1972) e na libertação de reféns, em conjunto com o Exército de Defesa de Israel, a maioria israelenses, do avião da Air France, sequestrado por palestinos em Entebe/Uganda (1976). 

Contudo, é um órgão de inteligência externa, atuando em outros países na segurança do estado sem competência interna. A inteligência interna, que envolve os territórios de Gaza e da Cisjordânia está a cargo do Shin Bet e este, supostamente, não foi eficiente ao interpretar os indícios de que o Hamas, na Faixa de Gaza, estava preparando um amplo ataque coordenado e massivo ao território israelense, em 07 de outubro de 2023, com o armazenamento de centenas de mísseis. Como os russos, estão perdendo a guerra psicológica com as pressões contrárias do Conselho de Segurança da ONU e da opinião pública de muitos países às operações militares na Faixa de Gaza, criando uma onda de estigmatização dos judeus.  

Um fator que merece destaque neste cenário de desequilíbrio e que, em décadas anteriores, não existia, foi o surgimento da comunicação online e as redes sociais que produzem milhões de dados e informações, impossíveis de serem analisadas além de um volume considerável de manipulação da informação e desinformação, destinada a cobrir com uma cortina de fumaça a realidade estabelecida. 

Esta breve excursão histórica não se destina a reduzir a qualidade do trabalho das agências de inteligência ou sua importância no jogo da geopolítica internacional. O que desejamos transmitir ao leitor é o fato de que em um mundo competitivo e de crescentes avanços tecnológicos, não existe infalibilidade ou onipresença, se tratando de países desenvolvidos como EUA, Rússia e Israel. Os recentes fatos, para quem acompanha o cenário internacional, fortalecem este argumento e desconstituem o mito. Erros de avaliação assim como vazamento de informações sigilosas acontecem em todos os níveis governamentais pois são elaboradas por fontes humanas com suas subjetividades e de acordo com modelos de subjetivação da sociedade em que estão inseridos.

André Luís Woloszyn foi analista de inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). Possui o Curso de Informações Categoria A, diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra (ESG/RJ), pesquisador e Membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).